O mercado de plásticos em direção a uma economia mais limpa
O mercado de plásticos em direção a uma economia mais limpa
Já faz algum tempo que os materiais plásticos foram oficialmente declarados vilões ambientais, passando a enfrentar a rejeição de parcelas da população e o ataque de instituições de defesa do meio ambiente. A cadeia produtiva, porém, engajou-se na criação de soluções para tornar a rota de obtenção de resinas mais limpa, além de promover a reciclagem como meio de dar destinação correta aos produtos em final de vida útil.
Atualizado em: 24/05/2021
Autor(es): Hellen Souza, da redação Revista Plástico Industrial
Por mais que se comprove o quanto os materiais plásticos são indispensáveis para o modo de vida da sociedade atual, o fato é que toda a sua cadeia produtiva precisou agir para remediar décadas de descaso com o passivo ambiental gerado pelo descarte inconsequente, sobretudo de embalagens não retornáveis.
A cadeia atentou para isso há pelo menos uma década, ao se dar conta de que havia um preço a pagar pelo longo período de prosperidade vivido antes que a fatura ambiental chegasse, e chegasse alta. A indústria petroquímica já se movia em direção a um modelo mais sustentável antes mesmo de a Fundação Ellen MacArthur propor, em 2018, durante a conferência Our Ocean, em Bali, a criação de um compromisso global denominado Nova Economia do Plástico, que tem por objetivo acelerar a transição da cadeia do plástico para um modelo de economia circular, com base nos cinco princípios apontados na figura abaixo.
Um pouco de história recente
Entre as edições de 2007 e 2010 da feira K, um termômetro dos ânimos desta indústria, foram registradas iniciativas das empresas no sentido de tornar as atividades que envolvem o plástico mais amigáveis do ponto de vista ecológico. Mesmo em meio à grave Crise do suprime, que em 2008 derrubou as cotações do petróleo, sua principal matéria-prima, importantes players do setor petroquímico seguiram seus planos em direção a um futuro mais verde. Data daquele período a iniciativa da Braskem no desenvolvimento de rotas independentes para a obtenção de matérias-primas, com a síntese do etileno a partir do etanol de cana-de-açúcar, obtendo-se assim o monômero para a síntese do chamado polietileno “verde” que mais tarde levaria o selo I’m Green, identificável em muitos produtos finais tanto no Brasil quanto no exterior. Até 2025, a proposta da empresa é a ampliação deste portfólio, além de incluir 300 mil toneladas de resinas termoplásticas e produtos químicos com conteúdo reciclado, como parte de seu posicionamento em economia circular.
O caminho para a “economia de baixo carbono” entre as petroquímicas recebeu pavimentação ainda mais sólida com um megaprojeto de pesquisa apoiado pelo governo alemão e denominado CO2RRECT: CO2 – reaction using regenerative energies and catalytic Technologies (reações com gás carbônico usando energias regenerativas e tecnologias catalíticas), anunciado na K 2010, envolvendo recursos da ordem 18 milhões de euros e propondo aproveitar as flutuações extremas da oferta de energia produzida por fontes alternativas para utilizar o gás carbônico como matéria-prima (1).
O projeto tinha como objetivo tornar viável técnica e economicamente o uso da sobra de energia de torres eólicas e painéis fotovoltaicos, de modo a neutralizar a ação de um dos principais gases geradores de efeito estufa, contando com três poderosos parceiros industriais: RWE Power, Siemens e Bayer MaterialScience. Cabia então à RWE Power, empresa de energia elétrica que opera usinas termelétricas na Alemanha, separar o gás carbônico a partir dos fumos gerados em uma de suas termelétricas, liquefazê-lo e fornecê-lo como matéria-prima para o projeto. À Siemens foi dada a tarefa de desenvolver instalações especiais de eletrólise que pudessem usar o excesso de energia elétrica gerado pelas fontes alternativas para produzir hidrogênio de forma econômica, um elemento-chave para a transformação do gás carbônico em matéria-prima para a indústria química. Já a Bayer MaterialScience (atual Covestro) ofereceu sua experiência na operação de sistemas industriais de eletrólise e como consumidora potencial das matérias-primas geradas, não só para a obtenção de monômeros para a síntese de polímeros, como também para uso em química fina e na indústria farmacêutica. À época o projeto contou com alguns parceiros acadêmicos para prestar assessoria na área de catálise, engenharia de processos, otimização de reatores e avaliação global do processo: Invite, Instituto Max Planck, Instituto de Tecnologia de Karlsruhe e as universidades RWTH Aachen, Rostock, Ruhr-Bochum, TU Dortmund, TU Dresden, Stuttgart, e TU Darmstadt.
Surgiriam dali iniciativas visando alcançar um sonho para a indústria petroquímica: a síntese de matérias-primas diretamente a partir do gás carbônico, cumprindo duas tarefas importantes: aprisionar o vilão da atmosfera e usá-lo em substituição aos insumos petroquímicos, com a vantagem adicional de melhorar a imagem institucional dos produtos finais.
Rumo à economia de carbono neutro
O cenário evoluiu desde então e a indústria petroquímica caminha hoje a passos firmes para economia de baixo carbono, baseada no uso de tecnologias limpas e de energias renováveis. A Covestro teve êxito no desenvolvimento de espumas de poliuretano a partir do poliol à base de CO2 denominado cardyon, fabricado na unidade da empresa em Dormagen (Alemanha) e enviado para a suíça FoamPartner, que comercializa sua nova linha de produtos de espuma flexível sob o nome de OboNature. A empresa segue pesquisando a extensão desse conceito a outros produtos.
á a também alemã Evonik trabalha atualmente em conjunto com a Siemens no projeto Rheticus, visando obter produtos químicos e matéria-prima a partir do CO2, com base em processos de eletrólise e fermentação com a ajuda de bactérias, uma espécie de fotossíntese artificial que ajuda a fechar o ciclo do carbono e reduzir a poluição na atmosfera. A planta piloto foi comissionada no final de 2020, na cidade de Marl, Alemanha, produzindo matérias-primas para plásticos especiais. Cerca de 20 cientistas das duas empresas estão envolvidos no projeto.
Outras iniciativas consistem em usar energia limpa na produção convencional dos petroquímicos. A saudita Sabic, por exemplo, assinou recentemente um acordo conjunto com a Basf e a Linde para desenvolver soluções para fornos de craqueamento a vapor com aquecimento elétrico para a produção de eteno, matéria-prima para a produção de polietilenos. Esses fornos requerem uma quantidade significativa de energia para quebrar os hidrocarbonetos em olefinas como o eteno. Normalmente, a reação é conduzida sob temperaturas de cerca de 850 °C em fornos que funcionam pela queima de combustíveis fósseis. Ao usar eletricidade de fontes renováveis, a tecnologia tem o potencial de reduzir as emissões de CO2 em até 90%, de acordo com informações divulgadas pela empresa.
Iniciativa similar está sendo conduzida pela Borealis (Áustria), que anunciou a criação, em parceria com a belga Qpinch, de uma tecnologia de recuperação de calor residual nos processos petroquímicos. O método imita as reações naturais que ocorrem no corpo humano ao usar um processo químico para aumentar a temperatura do calor residual, que de outra forma não poderia ser utilizado. Ao contrário do uso de bombas de calor convencionais, este processo ocorre em circuito fechado e minimiza os custos operacionais, bem como o uso de eletricidade. A tecnologia é escalonável de um a 50 megawatts (MW) e, portanto, é capaz de processar altos níveis de calor residual industrial, que é reaproveitado nos reatores, reduzindo as emissões de CO2. A entrada em operação da unidade de recuperação de calor é uma das várias iniciativas que aproximam a empresa de sua meta de ser 20% mais eficiente em energia até 2030 em comparação a 2015.
Outra forma de se engajar na corrida verde é melhorando a qualidade dos produtos reciclados mecanicamente ou atuando na produção dos bioplásticos. A Basf está em ambas as frentes, e lançou recentemente uma linha de aditivos denominada B_Cycle, voltada para a reciclagem mecânica, com produtos que agem como facilitadores na triagem, lavagem dos resíduos e na extrusão dos plásticos reciclados, visando à obtenção de material de melhor qualidade. Uma linha adicional, denominada Joncryl, foi desenvolvida para auxiliar especificamente no processamento do PET. A empresa também foi pioneira no desenvolvimento de bioplásticos, com a linha Ecovio de polímeros certificados com conteúdo biológico.
O importante papel da terceira geração
O conceito de economia de baixo carbono está um pouco acima do campo de ação das empresas transformadoras de plásticos, também conhecidas como a terceira geração da cadeia petroquímica. Porém, há ações viáveis para que elas iniciem sua jornada rumo à economia circular com a reciclagem de materiais, que já é prática recorrente quando se fala no reaproveitamento de sobras de processo, tais como borras, galhos e canais de injeção. Recuperar essas sobras é uma atividade quase intrínseca à transformação, por se tratar de material puro, com baixíssimos índices de contaminação, para os quais a simples moagem e reinserção no processo de moldagem em determinadas frações já é uma solução satisfatória.
Orientação para começar
Para a terceira geração, encampar ações voltadas para os propósitos de sustentabilidade e engajamento na economia circular pode ir além, conforme comenta Beatriz Luz, fundadora da Exchange4change Brasil (E4CB), organização criada em 2015, que busca impulsionar a transição de empresas brasileiras para a economia circular e que tem trabalhado de forma bastante próxima da indústria de transformação de plásticos: “Trata-se de novas relações comerciais que serão baseadas em 3 “Rs”: reavaliar processos produtivos, redefinir produtos e serviços e rever sua forma de atuação. A economia circular rompe com a lógica linear de exploração, produção, consumo e descarte, sempre focada no lucro. Lá na frente, as empresas vão precisar pagar a conta da escassez de recursos e dos riscos tomados”, resumiu.
No caso particular das resinas recicladas, esta revisão de conceitos envolve uma quebra de paradigma por parte da indústria de transformação. Com a capacitação do setor e o advento de aditivos e modos de processamento que melhoram a sua qualidade, o material reciclado não é mais necessariamente barato e ruim, como foi no passado. Os esforços das grandes empresas da segunda geração inclusive, visando reinserir conteúdo reciclado em suas matérias-primas, mostram o quanto essa visão está mudando: “Há também grandes marcas de produtos finais com metas ambiciosas, e com uma demanda crescente pela inserção de conteúdo reciclado em suas embalagens, como forma de cumprir compromissos estratégicos dentro da proposta de sustentabilidade”, comentou Beatriz.
A E4CB atua conectada a uma rede internacional de especialistas para adaptar soluções globais à realidade brasileira, oferecendo treinamentos, capacitando profissionais e elaborando diagnósticos visando ao desenvolvimento de estratégias circulares para negócios e cidades.
Desde 2020, o seu principal eixo de atuação é o Hub de Economia Circular Brasil (Hub-EC), um ecossistema que reúne empresas líderes determinadas a estabelecer parcerias, promover engajamento, mudar processos produtivos e fomentar a transição circular em larga escala no País. Criado para estreitar o relacionamento entre os elos dessa cadeia, o hub integra empresas de vários portes e setores. Ao todo são 16 membros que vêm unindo esforços para transformar suas cadeias produtivas: Electrolux; Gerdau; Nespresso; Covestro; Tomra; Plastiweber; RCR Ambiental; Wise; Sinctronics/ Fit/Flextronics; Equipa Group; Cempre; Rhein Advogados; Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI); Casa da Moeda do Brasil; Senai CETIQT; e Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Os subgrupos de trabalho atualmente estabelecidos são: Novas Cadeias de Fornecimento de Plástico Filme, Logística Reversa de Linha Branca, Resina Reciclada e Design Circular. O objetivo do primeiro subgrupo é potencializar o reaproveitamento do plástico filme, material que muitos consideram não reciclável. Os membros participantes estão unindo esforços para aumentar o volume de material coletado, otimizar a cadeia e consolidar a circularidade do plástico filme, atraindo inclusive novos atores da cadeia para o debate.
Já o segundo subgrupo trabalha para identificar oportunidades para ampliar o reaproveitamento de eletrodomésticos de linha branca e a sua transformação em novos produtos. Para isso, estuda-se como viabilizar a logística reversa para que os materiais retornem para novos ciclos produtivos.
O subgrupo dedicado à resina reciclada visa agregar valor a esse insumo, considerando sua aplicação em produtos com garantia de qualidade e desempenho. Nele, as empresas membros buscam compreender os desafios e contextos da cadeia de resinas recicladas para identificar possíveis oportunidades de melhoria a serem aplicadas individualmente em suas operações.
Já o quarto cluster é voltado para o design tendo em vista o propósito da economia circular. O intuito é trabalhar o alumínio como um material circular, valorizando seu desempenho e design. Essa solução já é aplicada por empresas na Europa, e o Hub-EC busca trazê-la para a realidade brasileira.
300 anos de experiência
Criada em 2020, a PlasticXperience é uma plataforma idealizada pelos professores Manoel Lisboa, Júlio Harada e Cláudio Marcondes, com vasta experiência no mercado de plásticos e em seu universo acadêmico. A ampla vivência do trio no segmento de plásticos levou-o a identificar a plataforma pelo slogan “Mais de 300 anos acumulados de experiência no setor de plásticos”, com os quais os profissionais se propõem a apoiar indústrias do setor que buscam conhecimento sobre fontes de matéria-prima e a sua reinserção no processo produtivo. São oferecidos serviços de consultoria, treinamento e levantamentos como estatísticas do setor, simulações de impacto ambiental (reciclagem e economia circular) por meio de treinamentos planejados conforme a necessidade de cada empresa.
Já o Movimento Plástico Transforma, iniciativa da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e da Braskem, tem ação mais voltada para o público em geral, visando esclarecer e educar a população para o uso consciente dos plásticos e para o seu potencial de reciclagem.